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Pirataria saiu do controle com serviços de streaming e isolamento social

*Por André Sobral

Produtoras, profissionais, governo e os próprios consumidores. Todos pagamos um preço caro pela pirataria no setor audiovisual. Além de ser crime e perverter a cadeia de distribuição – contribuindo para a diminuição de postos de trabalho e a arrecadação de impostos –, o acesso a produtos e programações ilegais abrem espaço para a ação de hackers e o risco de roubo de dados e informações bancárias.

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Essa prática já dura pelo menos duas décadas e não há sinais de que irá diminuir. Muito pelo contrário. Se no começo do milênio eram os DVDs piratas que dominavam o comércio ilegal de filmes e séries, hoje, esses meios se multiplicaram, seja com as TV Box, seja com os sites de programação desviada.

O fato é que a pirataria acompanhou os avanços da indústria. E mais: com o aumento do consumo de conteúdo audiovisual e o “boom” do streaming durante a pandemia de covid-19, ganhou novos contornos.

Antes de 2021, o último estudo sobre o assunto feito no Brasil – pelo Censo, Ibope e PNAD, em 2018 – estimou que operadoras e canais pagos perdiam pelo menos R$ 10 bilhões anuais e governos R$ 1,5 bilhão em impostos. Isso sem considerar a entrada da Netflix e seus concorrentes no jogo.

Agora, esse prejuízo subiu para R$ 15,5 bilhões, sendo R$ 2 bilhões somente em impostos que deixam de ser arrecadados. Levantamento da pesquisa Business Bureau mostra que 33,5% dos lares brasileiros consumiram pirataria online no último quadrimestre de 2020. O Brasil fica apenas atrás de Estados Unidos e Rússia no consumo de audiovisual ilegal.

Muitos fatores justificam essa escalada da pirataria. Primeiro, a atividade é cada vez mais controlada por organizações criminosas poderosas e difíceis de mapear. Elas, inclusive, já coordenam ataques cibernéticos a players de streaming. Em 2017, por exemplo, um coletivo de hackers ameaçou a Netflix de “vazar” 10 episódios inéditos de “Orange Is The New Black” antes de sua estreia.

Por outro lado, o audiovisual ilegal só existe porque há quem o consuma. E mudar um hábito tão cristalizado como esse é um trabalho árduo. Atualmente, um fenômeno tem contribuído para alimentar essa prática: a falta de poder aquisitivo do usuário médio de streaming para assinar tantos serviços com conteúdos exclusivos simultaneamente. Pensando no futuro, a solução estaria em algum agregador de todas as plataformas, em um formato inovador e mais democrático.

Como combater a pirataria

Todo esse cenário tem mexido com as plataformas de streaming, que começaram a tomar algumas providências, ainda discretas. Mas há anos existe um esforço a nível mundial com campanhas contra a venda ilegal de filmes e séries. Elas são lideradas, principalmente, por operadoras e TVs pagas.

Muitas vezes essas ações não surtem efeito devido às próprias leis do país sobre o assunto, pouco rígidas. Isso é relevante devido ao fato de que, geralmente, os criminosos hospedam os servidores de seus serviços em outras localidades, como o Leste Europeu. Assim, é importante ressaltar que essa luta é mais viável quando os poderes privado e público trabalham juntos.

No Brasil, o esforço das empresas começa a surtir algum efeito. Além das campanhas junto à Receita Federal, Ministério Público e polícias, a Anatel e a Ancine discutem desde 2020 uma possível regulamentação do bloqueio administrativo de sites que transmitem programações não autorizadas. E há discussões sobre notificar por carta usuários desses serviços, como é feito em países estrangeiros.

Mas além do trabalho de conscientização e do engrossamento das leis, há formas das produtoras se prepararem do ponto de vista técnico. Alguns serviços de streaming já utilizam marcas d’água em suas produções. Assim, é possível ter mais controle das cópias que circulam na etapa de distribuição.

Recentemente também tem se discutido iniciativas de blockchain nas cadeias de produção e distribuição de conteúdo audiovisual. Mais conhecida por sua aplicação no setor de criptomoedas, essa tecnologia poderia ajudar no combate à pirataria com um sistema em que as obras são distribuídas por “tokens”, ativos digitais incorruptíveis – lógica similar à dos NFTs no mercado de arte.

Resumo

A pirataria é mais um dos tantos paradoxos de nossa sociedade. É crime, segundo a lei. Ao mesmo tempo, permanece pairando como algo velado, que todo mundo pratica e finge ignorar os prejuízos. Parece ter chegado a um patamar incontrolável e irreversível, evoluindo ano a ano junto com a indústria, perpetuada pela crença de que o seu combate só beneficia grandes players do mercado. Mas a verdade é que ele é vital também para pequenas e médias produtoras independentes.

Soluções tecnológicas são uma forma de defesa valiosa para os agentes do setor. A verdadeira transformação, no entanto, virá de uma virada de chave na mentalidade dos consumidores, algo que, infelizmente, precisará ser trabalhado incansavelmente por mais uns bons anos.

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*André Sobral é formado em Direito com pós-graduação em Marketing pela FGV e Direção de Cinema pelo Maine Media College. É produtor da Abrolhos Filmes, com a qual produziu o documentário “Chico Rei Entre Nós” (Joyce Prado, 2020), premiado na 44ª Mostra Internacional de São Paulo. Foi produtor associado de três filmes realizados por meio de coproduções internacionais. Entre eles: “Call Me By Your Name” (Luca Guadagnino, 2017), indicado ao Oscar 2018