A partir de hoje (15), o WhatsApp impõe uma nova política de privacidade. Com isso, haverá algumas mudanças importantes no uso do aplicativo. A seguir, Patricia Peck Pinheiro, advogada especialista em direito digital e proteção de dados, explica o que isso impacta na sua vida.
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Por que a nova política de privacidade do WhatsApp causa tanto alvoroço?
O WhatsApp exerce em muitos países posição dominante de mercado. Sendo assim, temos que analisar a situação não apenas sob a ótica da regulamentação de proteção de dados, mas também sob o aspecto do direito concorrencial e das proteções do consumidor.
A partir do momento que há uma mudança das regras de maneira unilateral e nova política de privacidade, não há tempo hábil para que seus clientes, sejam pessoas jurídicas ou físicas, busquem alternativas. É uma situação que acaba exigindo a análise por parte das autoridades para evitar abusos.
Além disso, as mudanças trazidas pela nova política de privacidade, mesmo que possam gerar benefícios, precisam de uma ampla campanha educativa. Hoje, há toda uma discussão sobre o modelo de “Data Ethics” da empresa.
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No caso do WhatsApp e do Facebook, devido ao histórico acumulado de casos recentes, a desconfiança gerada pela falta de transparência e a aplicação de multas em muitos países provoca insegurança e incerteza.
O que acontece a partir de hoje?
Em princípio, quem não aceitar os novos termos da nova política de privacidade ficará com o aplicativo bloqueado. Não será possível enviar novas mensagens.
Porém, devido à pressão dos usuários em vários países, como a Índia, houve declarações recentes do aplicativo de que aqueles que ainda não tiveram a chance de aceitar a atualização não terão suas contas apagadas ou perderão a funcionalidade imediatamente no dia 15 de maio.
O WhatsApp afirmou, entretanto, que os usuários não poderão usar alguns recursos até aceitar a atualização. Não conseguirão acessar sua lista de bate-papo, por exemplo, mas ainda serão capazes de atender chamadas e videochamadas.
Ao final de algumas semanas de tolerância, com a funcionalidade limitada, o WhatsApp informou que vai interromper o envio de chamadas e mensagens.
Neste mesmo período foi enviado um documento ao WhatsApp elaborado por autoridades brasileiras (como Senacon, Cade, MPF, ANPD) recomendando que o aplicativo não restrinja funcionalidades caso as pessoas não concordem com a nova política.
As autoridades pediram também que o Facebook não utilize dados obtidos a partir da plataforma de mensagens enquanto não houver o posicionamento dos órgãos reguladores.
Qual é o motivo da mudança?
As mudanças ocorrem pela transformação do WhatsApp em uma plataforma comercial. No dia 15 de fevereiro, foi anunciada uma versão do aplicativo com recursos do carrinho de compras. Com ele, o usuário pode selecionar diversos serviços e fazer um pedido por mensagem pelo WhatsApp, durante uma conversa com empresas.
WhatsApp também está implementando meios de pagamento diretamente pela ferramenta.
Quem será mais afetado com as mudanças?
Usuários que trocam mensagens com empresas (WhatsApp Business) que utilizam um provedor de serviço terceirizado para gerenciar a comunicação com os clientes pelo WhatsApp. O Facebook é um dos provedores de serviço terceirizados que as empresas podem contratar.
O que muda para usuários?
Em geral, para o usuário que não se relaciona com contas comerciais não há muitas mudanças. No entanto, o novo texto indica a coleta de informações que não estavam presentes na versão anterior. Sção elas: como carga da bateria, operadora de celular, força do sinal da operadora e identificadores do Facebook, Messenger e Instagram que permitem cruzar dados de um mesmo usuário nas três plataformas.
A empresa afirma que todas as mensagens – de texto, áudio, vídeo e imagens – são criptografadas de ponta a ponta, o que significa que somente o remetente e destinatário podem ver a mensagem. E que não mantém registros sobre com quem os usuários estão conversando e que não compartilha listas de contatos com o Facebook.
Já para usuário que interage com contas comerciais que utilizam os mencionados recursos terá mais impactos.
As conversas com empresas que utilizam um provedor de serviço terceiro (inclusive o Facebook) para gerenciar as conversas deixarão de ser criptografadas. As entre usuários comuns permanecerão protegidas com a criptografia ponta a ponta.
Para que as automatizações nas conversas entre empresas e usuários pelo WhatsApp funcionem, esses provedores de serviço terceiros precisam receber as informações, as quais não podem estar criptografadas.
O Facebook informa que, para os casos em que atuar como provedor de serviço, não utilizará estas informações para finalidades de marketing ou qualquer outra que não seja o processamento necessário para oferecer os serviços de gerenciamento das conversas.
O usuário não precisa ter uma conta no Facebook para que suas informações sejam compartilhadas e armazenadas por eles.
Logo, a nova política de privacidade deixa de garantir a proteção da criptografia em conversas com contas comerciais. Quando analisamos na ótica de um lojista, na qual um atendente fale com um usuário sobre uma compra os dados pessoais trocados podem não ser tão sensíveis. Mas se for o caso de um laboratório, hospital ou ainda uma clínica médica a coisa muda. Isso porque os dados pessoais compartilhados são de saúde – e com o aumento da prática de telemedicina devido à pandemia, isso se torna ainda mais sensível.
Hoje é comum estas interações por contas comerciais e inclusive com uso de bots.
O mesmo ocorre com relacionamento com Bancos Digitais, entre outros. Aí o nível de risco é maior, bem como de não estar em conformidade tanto com regulamentação de proteção de dados como também regulamentações setorizadas.
Isso não afeta apenas o WhatsApp, mas também a empresa contratante do serviço de conta comercial em termos de compliance.
Quais informações serão compartilhadas com provedores terceirizado?
O WhatsApp não informa com exatidão quais são todos os dados que compartilha com os provedores de serviço terceirizado, mas apresenta uma lista de todas as categorias de dados que armazena de seus usuários:
a) Dados fornecidos diretamente pelo usuário: número do telefone celular, nome perfil escolhido, mensagens trocadas e criptografadas, contatos da agenda dados de status, dados de transação e pagamentos;
b) Dados que coleta automaticamente: dados de uso e registro como tempo e frequência, modelo do dispositivo, rede móvel endereço IP, e identificadores exclusivos para produtos das Empresas Facebook associados ao dispositivo ou conta, dados de localização, cookies, dentre outros).
Os dados podem ser compartilhados para outras empresas e para finalidades não relacionadas aos provedores de serviço terceirizados?
Sim. Isso já acontecia antes de ser anunciada a nova política de privacidade. O WhatsApp informa que pode transmitir os dados dos usuários para os operadores, que realizam a atividade de tratamento dos dados pessoais conforme às suas orientações.
Dentre os operadores do WhatsApp estão as empresas do Facebook, que são contratadas para operar, executar, aprimorar, entender, personalizar, dar suporte e anunciar seus serviços. Para realizar tais atividades os dados podem ser armazenados pelas companhias.
Essas empresas podem também fornecer dados dos usuários para o WhatsApp sob determinadas circunstâncias, por exemplo, as lojas de aplicativos podem enviar relatórios para ajudar o WhatsApp a diagnosticar e corrigir problemas no serviço.
Mudanças de acordo com a legislação?
A forma como os usuários são abordados pelo aplicativo para que aceitem os termos da nova política de privacidade (com checbox pré marcados) e a redação confusa é um problema. Isso, aliado aos problemas reputacionais da sua controladora (Facebook), pode levantar a bandeira vermelha do atendimento ao Princípio da Transparência da LGPD.
Há preocupação, ainda, aos requisitos para um consentimento válido. Isso porque muitos usuários não o concederam livremente, tampouco tinham sido devidamente informados sobre os impactos.
Caberá ao WhatsApp e ao Facebook demonstrar a conformidade com à LGPD, em especial artigos 6, 7, 10, 11, 14, 18, 42, 44, 46, 47, 48, 49.
Sabemos que não existe almoço grátis. As aplicações de internet podem apresentar claramente os motivos pelos quais o tratamento de dados é requisito para o fornecimento do produto/serviço, artigo 9, § 3º da LGPD com artigo 18 inciso VIII.
Condicionar o uso do serviço ao compartilhamento com terceiros e com o consentimento irrestrito, retirando os atributos de que precisa ser manifestado de forma livre para finalidades que são comerciais, pode ser entendido como prática abusiva. Isso, considerando o exercício de posição dominante de mercado.