Os usuários de streamings foram pegos de surpresa no dia 30 de dezembro de 2016. Isso porque o presidente Michel Temer sancionou a lei complementar sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), que irá taxar streamings de áudio e vídeo, como Spotify, Netflix, HBO GO e Deezer.
Porém, tal lei pode ser ilegal, já que as empresas focadas em transmissão online não podem ser consideradas como um serviço, mas cessão de uso. Pelo menos é o que afirma o advogado Evandro Grili, sócio do escritório Brasil Salomão e Matthes.
O 33Giga conversou com o especialista para saber mais sobre a ilegitimidade da lei e o que os streaming precisam fazer para revogá-la. Confira.
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33Giga: Como funciona a lei que taxa os serviços de streaming de áudio e vídeo?
Evandro Grili: Por enquanto foi criada apenas uma Lei Complementar incluindo o direito de cobrar ISS sobre as atividades dos streamings de música e filmes. A lei é a LC 157/2016, que foi publicada no dia 30 de dezembro de 2016.
Na prática, cada município brasileiro precisa criar suas legislações municipais específicas fixando a cobrança, definindo alíquota, data e regime de pagamento. Isso significa que nenhuma cidade conseguirá cobrar a nova taxa ainda em 2017, pois leis que criam tributos só vigoram no exercício seguinte.
Além disso, a Constituição prevê o princípio da anterioridade nonagesimal, que afirma que o munícipio tem que esperar 90 dias para começar a vigora. Assim, se quiserem receber o tributo a partir do dia 1º de janeiro de 2018, terão que aprovar e publicar suas leis próprias até 30 de setembro de 2017.
33Giga: Qual o impacto da lei LC 157 nas mensalidades de streamings?
EG: Isso vai depender do município em que o estabelecimento da empresa de streaming estiver situada. Por exemplo, se uma companhia estiver em São Paulo (SP) e a lei paulistana fixar alíquota de 2%, provavelmente, os serviços serão onerados nesse patamar. Segundo a Lei Complementar, a alíquota mínima será de 2% e a máxima de 5%.
33Giga: Por que o governo decidiu aplicar esse tipo de imposto nos streamings?
EG: Acredito que a motivação seja exclusivamente arrecadatória. Os Poderes Públicos, nas três esferas, estão mergulhados em uma profunda crise financeira e necessitam de receitas urgentemente. Viram nesse mercado a possibilidade de cobrar o ISS e criaram a norma. Não vejo outra razão.
33Giga: Por que o ISS vai ser cobrado de plataformas como Netflix e Spotify, mas deixou de lado serviços que oferecem livros, jornais e periódicos online?
EG: Livros, jornais e periódicos online gozam de imunidade constitucional. Ou seja, nenhum imposto pode ser cobrado destes conteúdos. É uma forma de fomentar a liberdade de expressão e fortalecer os veículos de imprensa e cultura.
33Giga: Há quem defenda que a disponibilização de mídia por streaming não se caracteriza como serviço, mas sim como cessão de uso. Sendo assim, a lei é ilegítima. Qual sua opinião?
EG: Os serviços caracterizam-se, normalmente, por prestações de obrigações de fazer. Por exemplo, quando vou a um cabeleireiro para cortar o cabelo, ele usa sua habilidade técnica para me atender dentro daquilo que quero. O serviço tem esse caráter personalíssimo do fazer, em que encomendo algo pessoal e que serve apenas a mim, não a outro.
Já quando contratamos empresas como Netflix ou Spotify, elas não prestam uma obrigação de fazer, mas sim uma obrigação de dar. No caso específico dos streamings, eles nos dão o acesso a vídeos e músicas, sendo que os direitos anteriormente foram negociados junto aos titulares das obras. Assim, os streamings não podem ser classificados como serviço.
33Giga: E o que pode ocorrer se for comprovado que a lei é ilegal?
EG: Tempos atrás, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que o ISS não deveria ser cobrado de locação de bens móveis. Até chegou a editar a Súmula Vinculante n° 31, que veda a cobrança, justamente porque se tratava de obrigação de dar e não de fazer.
Se o STF usar a mesma premissa, caso seja provocado a decidir a questão, pode ser que também o ISS sobre streamings seja considerado inconstitucional.
Mas, para que isso ocorra, é necessário que os streamings contestem a cobrança na Justiça. Se eles aceitarem a tributação, sem questioná-la judicialmente, o judiciário não vai se manifestar sobre o assunto e o imposto acabará se tornando “devido”, até que alguém resolva questionar.